30 anos de Duplo Sentido: Camisa de Vênus

Em 1987, há exatos 30 anos, muitas coisas importantes aconteceram, tanto no âmbito musical como político-social. O mundo, a beira do abismo - como sempre parece estar -, apresentava vários problemas. A segunda-feira negra nos EUA. Acidente radioativo em Goiânia com césio-137. A Ditadura havia acabado recentemente, todos ainda se reerguiam, comemoravam e aprendiam o que era a liberdade novamente. Sarney estava no poder. Confusão política e financeira - com o planos Cruzado, Cruzado II, Bresser -, entre outros motivos.

Na música, o prospecto era mais positivo, já que estava recebendo material rico de todos os lados. Madonna com Who's That Girl, Michael Jackson na turnê Bad World Tour, Paralamas do Sucesso tocando na Suíça, lançando D, o primeiro ao vivo da carreira. Joshua Tree do U2, Guns N' Roses estreando no mundo e Pink Floyd lançava o 13º álbum, A Momentary Lapse of Reason. Ultraje a Rigor lançava o segundo álbum Sexo!!, Legião Urbana lançava o icônico Que País É Este? e finalmente chegamos ao sarcásticos e roqueiros do Camisa de Vênus.

A banda foi criada em 1980, por Marcelo Nova e Robério Santana, que logo convidou Karl Hummel - falecido no mês passado -, Gustavo Mullem e Aldo Machado para compor o quinteto. O nome Camisa de Vênus veio pelas reclamações que a banda recebia, quando falavam que o som era incômodo, então, Marcelo sugeriu o nome de Camisa de Vênus, por achar preservativo uma coisa muito incômoda.

A banda teve uma carreira turbulenta e rápida. Em 1982, lançaram o primeiro compacto e em 83, lançaram o primeiro álbum homônimo, que sofreu as represálias da censura, com o sucesso da música Bete Morreu. Em 84, o sucesso Eu Não Matei Joana D'Arc chega às rádios no segundo disco, Batalhões de Estranhos.

Em 1986, encerram o contrato com a gravadora RGE e lançam o álbum ao vivo, Viva, que comemora o contrato com a nova, WEA (atual Warner Music). Viva, contém palavrões e imperfeições, e Marcelo Nova, que não estava se importando com o fato da censura da Ditadura ainda estar presente, não manda o álbum para à apreciação da censura, que apreende 40 mil de cópias do disco. Lançam o terceiro álbum de estúdio, Correndo o Risco, responsável pelo sucesso da banda, com cover do Raul Seixas - Ouro do Tolo - e músicas como Simca Chambord, Só O Fim e Deus Me Dê Grana, com videoclipes.

Em 1987, a banda inovou ao lançar o primeiro álbum duplo brasileiro, o Duplo Sentido, com 17 músicas, que no LP foi divido em 4 lados. A banda, que havia estourado com o álbum anterior, Correndo o Risco, em 1986, realmente se arriscou nessa empreitada. E deu certo, apesar do estouro ter sido menor ao álbum anterior. As vendas chegaram a 40 mil cópias, sem turnê de divulgação. 

DUPLO SENTIDO




O álbum começa com a música Lobo Expiatório, que conta com o discurso de Tony Montana como introdução. Em 1983, Brian de Palma, lançou um clássico cinematográfico, Scarface. Entre vários trechos marcantes do filme, há um momento, em que o protagonista começa a entrar em decadência - gettin' high in his own supply -, dá um discurso no meio de um restaurante e inicia o fim de seu império.

Em 87, o país estava uma bagunça - com seu império caído -  e Marcelo Nova se aproveitou disso como diversas bandas. A música se encerra de forma fatídica, que diz que, quem não sabe a história, está fadado a repeti-la: "É só conferir através dos tempos / Essa estupidez chega a ser histórica / É tão redundante, é tão previsível / Como não bocejar diante desta retórica", e em, País do Futuro, a crítica volta a se repetir: "Aqui não tem problema, só se você quiser / Este é o país do futuro, tenha esperança e fé (...) Nós vamos outra vez, pro fundo do buraco / Você não tem vergonha, e eu já não tenho saco". 

É clichê mencionar que as músicas são atuais, diante da situação política que nos é apresentada diariamente. As críticas são pesadas ao decorrer do disco, mas apesar de seriedade, há muita brincadeira, sarcasmo e ironia.

Ana Beatriz Jackson é um exemplo claro disso, remetendo a Billie Jean, "O filho não é meu, ela quem diz". Um rock bobo, necessário para época. 

Me dê Uma Chance e Deusa da Minha Cama, são as românticas do disco, com muito blues e sentimento, o primeiro de abandono e a última, de extremo amor, elevando o ser amado a uma divindade, onde quem ama não sabe como reverenciar ou agradecer o ser amado.

Chamam Isso Rock and Roll, é a clássica história de qualquer músico, que acabou caindo na rotina, com hotéis, mulheres, entrevistas, vôos e shows iguais.

O ápice do disco, com certeza, é a composição e gravação feita em parceria com Raul Seixas, Muita Estrela, Pouca Constelação. A crítica é feita à cena mainstream, onde todo mundo é artista e o ego tá lá em cima: "A burrice é tanta, tá tudo tão à vista / E todo mundo posando de artista / Eu sei até que parece sério, mas é tudo armação / O problema é muita estrela pra pouca constelação".

Último Tango, vem novamente para descontrair o ouvinte, que entre em contraste profundo com O Suicídio Parte 2, que traz a questão da depressão e o suicídio.

O último lado do disco, o D, é composto de covers: Enigma, de Adelino Moreira, Farinha do Desprezo, Capinam e Jards Macalé, A Canção do Martelo que é uma versão de Hammer Song da The Sensational Alex Harvey Band, Aluga-se, de Raul Seixas e Canalha, de Walter Franco.

A banda teve várias separações e após este disco, se reuniram novamente em 1995, para se separar mais algumas vezes antes de finalmente voltarem em 2015, para comemorar os 35 anos de existência da banda. Desde então, continuam em atividade, ano passado lançaram Dançando na Lua, o primeiro álbum de inéditas em 20 anos. 



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