Resenha: Ratos de Porão - 'Necropolítica'

Texto por Flávio Farias

Enfim, depois de oito anos de espera, o Ratos de Porão nos brinda com 'Necropolítica', um álbum que nasce clássico e liricamente, é o sucessor natural de "Brasil" (1989), ainda que separados por 32 anos na linha do tempo. É certamente o álbum nacional mais esperado do corrente ano, pelo menos para aqueles que têm consciência de classe.


Lançado neste 13 de maio, dia em que celebramos a assinatura da Lei Áurea, por D. Isabel, que aboliu a escravatura no Brasil, 'Necropolítica' mostra que o Brasil segue sendo escravo pelas elites, que massacram as minorias em nome de um discurso deplorável e de exaltação às armas em detrimento a saúde, educação e bem-estar social, em uma clara ameaça à nossa democracia. Com relação às letras, é sem sombra de dúvidas, o álbum mais raivoso de toda a carreira do
Ratos de Porão. Trazendo apenas a verdade, nua e crua, que certamente os disseminadores de fake news irão discordar e reagir com seus argumentos tão rasos quanto uma piscina infantil.

A banda iniciou os trabalhos de gravação em outubro de 2021 no estúdio Family Mob, na capital paulistana. Os próprios músicos assinam a produção deste petardo. Fernando Sanches foi o responsável pela mixagem, que ocorreu em fevereiro de 2022, no estúdio El Rocha, também na capital paulistana. Em 40 anos, esse é o 11° disco de inéditas que o Ratos de Porão lança e veio cercado de expectativas. O guitarrista Jão já havia falado com o site Headbangers News sobre o processo de composição que começou com ele e o baixista Juninho, com Gordo colocando as letras posteriormente e Boka quebrando tudo com suas batidas.

O álbum sairá no Brasil pela Shinigami Records, esse selo que vem dando uma atenção mais que especial para a música pesada e merecedor de todos os elogios. Em vinil, será lançado pela Fuzz On Discos, com pré-venda a partir desta sexta (13) e entrega a partir de 29 de julho. No próximo dia 29, a banda fará o show de lançamento do álbum, durante o Kool Metal Fest, em São Paulo. No mesmo festival também irão se apresentar o Krisiun, Crypta, Nervochaos, além dos austríacos do Belphegor. Vamos agora sem mais delongas passear pelas dez pedradas que as ratazanas nos proporcionaram.

"Alerta Antifascista" tem uma introdução épica e a medida que ela se desenvolve, percebemos a maturidade musical que a banda alcançou. Todos os elementos que caracterizam a sonoridade do Ratos de Porão estão aqui, mas percebemos um clima denso, que combinou com o Crossover Thrash. E a letra, um tapa na cara do Bolsominion que ainda insiste em defender o indefensável. A faixa número dois já é conhecida: "Aglomeração" e é um Hardcore bem rápido com direito a um refrão que gruda na cabeça. Impossível não sair cantando os versos "Jesus te protege na aglomeração". Verdades cantadas por um João Gordo ainda mais visceral.

"Passa Pano Pra Elite" é a faixa número três e tem riffs que nos remetem ao Thrash Metal da Bay Area, além de ótimas linhas de baixo executadas por Juninho. A faixa título também já havia sido lançada como single e é um belíssimo Hardcore e a letra narra com precisão o que aconteceu no Brasil, cujo chefe de Estado demorou para comprar vacinas. Médicos decidiam quem deveria viver e quem deveria morrer. Parece um show de horror, mas é apenas o Ratos de Porão contando o Brasil de Bolsonaro em forma de música.

"Guilhotinado em Cristo" é a faixa que mais me chamou atenção, pelo seu Crossover Thrash, mas bem diferente do que nos acostumamos a ouvir o Ratos, pois eles deixaram a música mais trabalhada e é muito bom ver uma banda amadurecendo sem perder a sua essência. "O Vira Lata" abre a metade final do play e traz uma introdução bem psicodélica e a medida que ela vai atravessando a nossa playlist, vamos percebendo as influências do Dead Kennedys. Ótima música.

"G.D.O." é rápida, pesada e raivosa, principalmente na letra que dá o recado para os que compram as ideias que andam em vigor no Brasil desde 2019, sim, o gado. Aqui o destaque é para Boka e suas viradas fantásticas. "Bostanágua" tem uma pegada mais voltada para o Punk Rock, onde Juninho mostra outra bela atuação, deixando a música mais pesada.

"Entubado" traz partes rápidas que são mais Hardcore, combinadas com outras partes mais arrastadas, não ficando a dever a nenhuma banda Thrash Metal. Uma das melhores do disco, sem sombra de dúvidas. "Neonazi Gratilutz" é o ato final e a cereja do bolo deste disco que expressa de maneira tão perfeita esse Brasil dos analfabetos funcionais e que virou piada no mundo inteiro. Jão traz excelentes riffs em uma música bem densa e ao mesmo tempo furiosa.

Em 31 minutos temos um belo resumo do que estes falsos patriotas fizeram com o nosso Brasil, em nome de um igualmente falso patriotismo e repleto de ódio. Mais uma vez João Gordo e companhia foram brilhantes em trazer temas atuais para mais um disco do Ratos de Porão. Temos uma banda que não polui seu som em nenhum momento, ao mesmo tempo se mantém fiel à sonoridade pesada e que retrata muito bem o nosso péssimo momento socioeconômico. 'Necropolítica' é super bem-vindo e fatalmente estará nas listas dos melhores álbuns de 2022.

Um álbum perfeito para reflexão, ainda mais em um ano de eleição. É um atestado de que nosso país não aguenta mais quatro anos de domínio da extrema direita, com flertes intensos com o neofascismo. O Headbanger que ainda insiste em relacionar Rock com o conservadorismo e o autoritarismo, precisa voltar com urgência máxima para a aula de iniciação no estilo. Felizmente temos bandas como o Ratos para dar um soco na cara destes seres nefastos. Eles mostram que o Rock ainda tem salvação. Por tudo isso, 'Necropolítica' leva a nota máxima.

NOTA: 10/10

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