CRÍTICA: Doutor Sono é nostálgico, assustador e impecável

Dir: Mike Flanagan

O mundo do cinema é recheado com clássicos que marcaram nossas vidas. E por consequência, seus diretores. Verdadeiras obras que marcaram toda uma geração e até mesmo uma época. Não demoraria para que os chamássemos de clássicos. Exatamente por tratarmos tais obras com tanto amor e carinho, nós, cinéfilos de plantão sabemos o frio na espinha que dá ao sabermos de algum remake, reboot ou adaptação. E mesmo as continuações. São dois lados da mesma moeda, pois ao mesmo tempo que essas refilmagens podem afagar nossas mentes, elas também podem nos decepcionar e muito. É praticamente como andar às cegas em um campo minado.

Muitíssimo felizmente, o novo longa de Mike Flanagan está na primeira opção. Doutor Sono estreia essa semana levando o espectador de volta ao clima sombrio e macabro de O Iluminado. O indiscutível clássico do inesquecível Kubrick, de 1980. Para os menos apaixonados pelos livros de Stephen King, Doutor Sono é uma continuação direta dos eventos no Hotel Overlook, 30 anos depois. E agora acompanhamos a vida problemática e desajustada de Dan Torrance.

A grande questão do filme é: sua adaptação. Para começar, muita informação importante não foi dada no longa de Kubrick. Flanagan preenche tais lacunas habilmente tornando o filme totalmente compreensível até para quem não leu os livros. Inclusive alguns detalhes e eventos de O Iluminado que não foram para as telas, acontecem em Doutor Sono de forma absolutamente coesa e coerente. Isso porque o roteiro de Mike não tem pressa alguma de se desenvolver durante as 2 horas e meia de duração do filme. Acredito que essa é uma condição básica para uma boa adaptação literária, tempo. Não se deve ter medo de contar uma história detalhada com calma.

Em Doutor Sono, Mike ainda achou tempo e espaço de sobra para homenagear Kubrick de diversas formas. Com trilha sonora, planos simétricos, planos com travelings laterais, e a famosa steadycam que segue o protagonista criando tanto o clima nostálgico do primeiro filme, quanto o de terror, medo e suspense que a história carrega. E como se tudo isso não fosse um deleite para o espectador saudosista, Flanagan ainda coloca os personagens em planos e situações que replicam o casal Torrance. E não por exagero, mas sim porque o próprio livro cultiva a ideia de que a vida é um ciclo e tudo o que vai, volta. Na tela, isso se reflete de modo a parecer um match-cut com praticamente 40 anos entre os cortes.

E talvez um dos motivos de Doutor Sono ser uma obra prima em termos de adaptação, seja o currículo de Flanagan com filmes de terror. A carreira do americano de 41 anos é recente, curta mas de muito respeito. Tendo trabalhado exclusivamente com longas de terror desde 2011, sua filmografia conta com O Sono da Morte e Ouija, a Origem do Mal. Ambos de muito sucesso na área do terror. Sendo assim, Doutor Sono é um alívio no campo das adaptações e Mike é um maestro do gênero que merece devido reconhecimento.

Aparentemente o diretor sabia o peso cultural de revisitar o universo de um filme como O Iluminado. É possível dividir essa árdua tarefa em três pontos: uma boa adaptação, transmitir o clima de suspense presente no livro e respeitar o clássico já tão forte nos corações dos fãs. Se Doutor Sono fosse uma prova de vestibular, Mike Flanagan teria gabaritado com louvor. O longa ainda contém momentos que não estão presentes no livro, mas reforçam a devoção por Kubrick. E apesar de tais momentos serem parte da liberdade criativa do roteiro, elas são absolutamente bem vindas. Dito isso, acho que seria possível dizer que o próprio Flanagan é uma pessoa iluminada e evidentemente essa luz vem de Kubrick. Tanto o filme quanto o diretor fazem jus ao filme que é considerado não apenas um dos maiores filmes de terror como um dos mais assustadores.
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