Entrevista com Daniel Tessler (TESS)

Tem gente que vem ao mundo para despertar o melhor em algumas pessoas, algumas porque não são todas que deixam ser tocadas e transformadas. Quando nós tivemos a ideia de entrevistar o Daniel, jamais pensamos no quão esclarecedor isso seria, de todas as formas. 

Daniel Tessler, a princípio pode parecer o "loirão rockeiro que se mudou recentemente" para o centro da cidade - aliás, foi assim que o porteiro o definiu. Concordei porque, a princípio, é o que parece. Mas, além do loirão rockeiro, ele é um daqueles caras que você não sente o tempo passar, aprende e apreende muitas informações. Não esperem que aquele bate papo que durou algumas horas, tenha sido focado somente em 7 notas musicais e lançamentos futuros. Foi bem mais.

Confira a entrevista:

Garotos de Liverpool (GDL) - A banda Os Efervescentes foi criada em 2002 e após a saída do então vocalista, Rodolfo Krieger, você assumiu o lugar dele. Como foi isso na época? Foi através dessa banda que você veio nas primeiras vezes para SP, correto?
 Daniel Tessler (Tess) - Rodolfo saiu para assumir o baixo da Cachorro Grande, com a vinda da banda para São Paulo, em 2005 com o Pista Livre. Logo após eu assumir o vocal e guitarra, Os Efervescentes vieram para São Paulo pela primeira vez em 2006 e mais algumas vezes em 2007 e 2008, lançamos o disco em 2010 e em seguida, a banda finalizou as atividades por diversos motivos mas somos amigos até hoje.



GDL - Aliás, foi com a banda que vocês tocaram nas famosas casas noturnas de SP, como Funhouse, Astronete, como se sente ao saber que essas casas estão para fechar ou fecharam?
Tess - É triste. Esse lado da cidade (centro/baixo augusta), está mudando. É estranho, mas é um momento de transição. A teoria é que, mesmo que esses bares tenham um público fiel, este está evitando de sair tanto, pode ser pela crise, talvez.
Há a possibilidade de que, em algum lugar, estejam abrindo novas casas que vão abrigar todas as cenas e movimentos artísticos novamente; provável que não sejam longe daqui também.
É um bom momento, porque existem várias cenas aqui em SP que se estabeleceram em um lugar e talvez, essa transformação seja boa. Tem tanta coisa aparecendo por aí, tem tanta gente querendo pensar fora da caixa que a oportunidade, neste período, seria pensar dentro da caixa. Menos é mais. Tem tanta gente querendo inovar, surpreender, que acabam fazendo o que não sabem e por isso menos é mais: fazer o que você sabe fazer, é revolução.
           
GDL -  Após o fim do Efervescentes, de maneira natural para alguém que compõe muito, a necessidade de um projeto seguinte aparece. Como foi a criação da Tess?
Tess - A Tess é um nome feminino, inspirado numa personagem de Polanski. Quando o Efervescentes acabou, eu já tinha músicas para um novo disco, mas o motivo principal para a criação foi conseguir dois produtores e um investidor que queriam gravar um disco. Apresentei algumas músicas, eles escolheram 12 e gravei sozinho. Para a escolha do nome, apesar das diversas sugestões, acharam que Tess fosse o melhor; a princípio não gostei, mas eles acharam a ligação com o meu sobrenome e com Polanski, boa. O processo foi ao contrário da maioria dos grupos, escolhemos a banda para os shows após o material estar completo.

Capa do 1º disco, que na época foi censura pelo iTunes.

GDL - Enquanto os Efervescentes eram essencialmente MOD, como a Tess pode ser classificada? Quais são as principais influências? 
Tess - A Tess é arte. Não é só rock, mod, não é só eletrônico, a Tess é uma viagem. 
Atualmente, as influências para o segundo disco envolvem os séculos 17 e 18, piratas, música clássica, já para o terceiro disco, há a clara influência de Beatles, Kasabian, Chemical Brothers, Supergrass, rock inglês num geral, Júpiter Maçã e Arnaldo Baptista; a arte num todo. 

(A influência do Supergrass pode ser notada na música Por que você não está aqui? Ouça Rough Knuckles.)

GDL - É evidente que as composições do primeiro disco se focam em temas amorosos, explorando o sentimento de maneira que a vivacidade do rock não fosse perdida. Há algum motivo para isso? 
Tess - Várias músicas que eram para entrar no disco do Efervescentes, estão nele. Além disso, conta com a ideia dos produtores ao perceberem que é o vocalista e o guitarrista do Efervescentes que está lançando um disco que não é da antiga banda. Então focamos em baladas românticas e apostamos em duas músicas agitadas: Por que você não está aqui? e Quero Ouvir. Pelo que eu estava vivenciando na época, o teor romântico nas letras fazia mais sentido.

GDL - O primeiro disco conta com participações especiais, como Gabriel Azambuja, Rodolfo Krieger (CG) e Carlinhos Carneiro (Bidê ou Balde?). Como foi trabalhar com eles? Podemos esperar participações no novo disco?
Tess - A participação do Gabriel em Será Que Você Existe, do Rodolfo em Eu Com Tu e do Carlinhos em Estou Indo Embora nas composições foram ótimas.  
No novo disco não há participações nas composições e sim na gravação, com convidados tocando alguns instrumentos.

GDL - O EP Multicolor Movietone foi produzido pelo Edu K, conhecido por suas influências eletrônicas, como vimos no último cd da Cachorro Grande, por exemplo. A parceria no EP teve uma repercussão tão boa que vocês tocaram na Europa. Como foi essa experiência?
Tess - O primeiro país por qual passamos foi Milão e tivemos uma experiência incrível, porque além das músicas do EP, tocamos músicas do primeiro disco e alguns covers para que o público se identificasse e entendesse o que estávamos tocando e propondo. Conseguimos lotar todas as casas em que tocamos. Depois, fomos para Liverpool para tocar no Cavern Club, onde o baterista do Oasis (Chris Sharrock) estava presente e falou conosco - foi incrível! Depois fomos para Londres para tocar com uma banda de amigos e abrir o show deles. 

EP Multicolor Movietone - arte por Gus Bozzetti

GDL -  O EP marca claramente uma transição do primeiro para o segundo álbum. Se antes os temas amorosos eram evidentes, agora, há a sensação de um eu lírico mais otimista, menos desiludido e focado. Qual é a ideia central do disco?
Tess - Na verdade, o EP é uma ponte do primeiro disco para o terceiro - que ainda não tem previsão de lançamento mas já está pronto. Na época do lançamento do EP, as composições eram uma questão de momento. 
A primeira música se chama Poder Cantar, é uma reflexão que não consigo falar com certeza quem é o interlocutor. No clipe, é possível ver que é a mesma pessoa buscando uma inversão de papéis.
A segunda música, Te Encontrar, compus quando tinha 16 anos e estava no colégio. É uma música pura, fala de um amor que tive. Eu realmente gostaria de encontrar a menina e andava a cidade inteira atrás da dela, fazia o mesmo caminho do ônibus que passava em frente a casa dela e sempre escrevia algum trecho da letra até a música ficar pronta. 
Dia de Amanhã, fala sobre um relacionamento; contém uma mensagem muito clara: um rapaz que amava tanto que não tinha espaço para pensar em si mesmo. 
Shiva fala sobre as pessoas que ficaram para trás, mas que a vida continua do mesmo jeito: "tento graça em você não estar aqui/passou tanto tempo mas agora descobri/que gostei de ontem/mas vou muito além daqui". 

GDL - "Não quero mais me desculpar" é o seu último lançamento. Tem alguma ligação com novo disco?
Tess - Apesar das notícias do momento do lançamento, informando que a música seria um preview para o novo disco, não é, é somente um trabalho que eu sentia necessidade de externar ao mundo. Foi gravado no estúdio Gerência em São Paulo e contou com a produção e participação de Gabriel Guedes (Pata de Elefante) e dos músicos Tomas Oliveira (Mustache e Os Apaches, Black Albino) e Marcus Mota

GDL -  O que podemos esperar do novo disco?
Tess - O nome do disco é Atlas e o Pêndulo na Verdade Sobre o Não Dito. O conceito é muito profundo. Atlas é um alter ego meu, que na mitologia grega foi um titã condenado por Zeus a carregar o céu nas costas. Assim, Atlas passou a ser associado a sofrimento; o que significa carregar o peso do mundo nas costas? É o sentido da culpa. Eu falo da culpa porque o disco trata de reconhecimento, mas não de algo interno, de se reconhecer e sim, externo, de olhar para algo e não conhecer, e sim, reconhecer. É uma conexão comigo mesmo, com a criança que fui com o adulto que sou. 
A ideia inicial foi pensar no significado das palavras, de maneira simbólica. O que significa o sufixo -ança? Quando tu tá em espera, tu tá em estado de esperança. Estado de mudar, mudança. E quando tu tá criando? Tu é uma criança. Por quê? Porque só as crianças acreditam num mundo mágico, não vêm a maldade e só ela cria, cria super-homem, outro mundo e personagens e ela acredita naquilo. Essa é a maior qualidade que temos, uma criança dentro de nós que ou a gente esconde ou a gente tá sempre com ela.
A ideia central é ensinar a um adulto que ele tem que se reconectar com ele criança. O disco é um diálogo com o espelho; se passa no século 18, onde o locutor é um pseudo-pirata, uma pessoa que se perdeu de si. 

GDL - Para quem não conhece a TESS, qual recado você gostaria de deixar?

Tess - Não seja um cuzão. Não existem motivos pra ser cuzão, uma vez que, no fim das contas, você não significa nada pra tudo isso que tem na sua volta. Ser um cuzão - ou não ser um cuzão - só mostra o valor que você dá pra você mesmo, pois é a sua atitude com as coisas e pessoas que dão significado pra você mesmo dentro do seu ambiente, pra que você exista. Então se você é cuzão com os outros e com as coisas, é exatamente assim que você mesmo se vê e se valoriza. Se você não é um cuzão, é provável que você dê um significado maior para o seu tempo e espaço dividido com outros, uma vez que, voltando ao começo, a sua presença aqui não significa nada pra ninguém, a não ser pra você mesmo. 


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