ENTREVISTA: José Neto fala sobre carreira, encontros com George Harrison, Paul McCartney, tours com Eric Clapton, parceria com Steve Winwood e muito mais

Com 40 anos de carreira, José Neto é um dos maiores guitarristas da história, mesmo com os brasileiros o conhecendo tão pouco. Ele não somente da banda, mas também diretor musical de Harry Belafonte, fez carreira na Fourth World com Airto Moreira e a 18 anos é guitarrista do lendário Steve Winwood. Sua carreira proporcionou não só momentos brilhantes artisticamente falando, mas também de passar de geração a geração, como quando Paul McCartney o assistiu na primeira fila e receber elogio do Beatle, ou quando o mesmo Paul adquiriu um CD de sua banda, principalmente quando teve a oportunidade de fazer jam, conversar sobre diversos assuntos e no final ter uma foto com George Harrison.

Sobre essas histórias, carreira e o documentário "The Man Behind The Guitar", que será lançado ano que vem, mas ja tem trailer divulgado, tudo pode ser lido/assistido/ouvido nessa entrevista exclusiva.



Bom, primeiramente quero dar parabéns pelo seu trabalho. Eu, como muitos brasileiros, não conhecem ele. Fui conhecer pelo convite de ver o documentário e a sinopse me chamou muito a atenção.

Fiquei feliz que você veio, valoriza mais ainda a entrevista e também tem ideia de quem eu sou.

Você, Airto Moreira e Flora Purim (eu mesmo não reconheci que o Airto estava do meu lado na pré-estreia do filme, só notei após pesquisar mais para a entrevista) são alguns dos artistas que fora tem um destaque e aqui passa despercebido, você mesmo deve passar pela rua e a galera nem conhece... O que você acha sobre isso de não serem notados no seu próprio país e serem conhecidos no resto do mundo?


A minha geração dos anos 70, principalmente de São Paulo, que nessa época era forte na música instrumental (enquanto o Rio era ligado a Samba e Bossa Nova) entramos no instrumental também, Hermeto Pascoal estava em São Paulo e a Flora a gente ouvia direto, ela tava em contrato com a Warner e em cada vinil o pessoal que tocava com ela incrível... Era George Duke, Stanley Clarke... músicos incríveis e a percussão era do Airto, todo mundo gravou com ele, artistas como Milton Nascimento... elas eram muito fortes, mas ai vai mudando as fases musicais, gerações vão mudando.


Pelo que eu vi, você deu uma estudada na parte musical, com a ideia de ir fazer carreira fora... 

Exatamente, naquela época eu comecei com bandinhas tocando Beatles/Pop e o que ouvíamos no rádio, comprando LPs de Beatles/Stones e depois fomos pro Jazz e aí fui pra música clássica, me formei na Academia Paulista e a ideia era conhecer as feras de fora, então fui me aventurar em NY, que era o lugar ideal, pela quantidade de músicos bons, de clubes, a intensidade e as possibilidades. Era a cidade da época.


E em que momento que o Harry Belafonte foi te conhecer e convidar a fazer parte da banda?


Foi em 1979, eu estava fazendo gigs em NY com Herbie Mann (grande flautista) e os brasileiros da época, como Naná Vasconcelos e Portinho (grande baterista) e o Harry Belafonte queria um segundo guitarrista, aí puseram meu nome lá e eu recebi um telefonema "oh, os músicos puseram seu nome lá e estamos precisando de guitarrista", então fiz umas três sessões antes deles se decidirem e no fim deu certo. Casou meu estilo, com o que ele queria, tanto que fui crescendo na banda, me tornei o único guitarrista, depois diretor musical, mudei arranjos de hits como Matilda e Banana Boat, que ele tinha que cantar, mas queria uma roupagem diferente, então trouxe influências diferentes do Brasil, para o trabalho dele.







E foi com ele que você veio a conhecer a Flora e o Airto?
Não não, a Flora eu vim a conhecer em 1984, após ela ouvir a fita de Jogral com o Djavan e os compositores dela foram Filó Machado e Eu. Jogral era uma peça instrumental, com duas guitarras e o Djavan colocou a letra e gravou no disco Seduzir.




Filõ Machado e José Neto, compositores do instrumental de Jogral
A Fourth World (com você e o Airto) é uma banda certo? Faço essa pergunta, pois foi muito difícil encontrar informações sobre o projeto na internet...

É por isso que foi bom eu fazer esse documentário em certos aspectos. A Fourth nós começamos nos EUA, fomos para Europa e assinamos com uma companhia inglesa, então ficou algo ali em Londres e nunca foi registrado aquela fase, tem 3, 4 CDs, foi uma banda forte, viemos ao Brasil umas 2, 3 vezes, fizemos o programa do Jô Soares. Mas o Fourth World original, que você viu no documentário, foi o que marcou mais, era Airto, Flora, Gery Meek e Eu, esse tinha uma magia especial.

Fourth World (Gary Meek/Neto/Flora/Airto)
No documentário, é falado sobre o dia que Paul McCartney comprou um CD de vocês...

Eu tenho duas histórias com o Paul, a primeira vez que ele apareceu, foi com a Fourth World em outra formação. Isso foi no Ronnie Scott (Jazz Club em que Paul McCartney é membro) e lembro que estávamos para entrar, quando o manager foi no camarim e disse "oh, o Paul McCartney está aí, sentado na primeira fila de frente pro palco" e aí nós entramos, tocamos Silvia (música que está no documentário) e algumas outras, tocamos várias. Aí acabou esse show, após 1h10, 1h15 mais ou menos e ele foi no camarim, sentou, ficou conversando com a gente um tempão, estava super a vontade, falou que saiu pra jantar com a família e também disse que gostou de "Silvia" e que "sentiu um clima de Pink Floyd" e que os Beatles foram assistir a um ou dois ensaios do Pink Floyd e isso foi muito marcante, isso foi na primeira vez que o Paul veio.

Na segunda vez, foi com a Neto Band, ele veio com um grupo, devem ter saído pra jantar e nossa primeira entrada era as 22h30. Ele foi, saiu e deixou um recado com o técnico de som "Olha, fala pra ele que eu adorei o som e pede desculpas que eu tive que sair", foi um gentleman e levou um CD nosso.

Nos anos 90 foi também quando você começou essa parceria com o Steve Winwood...
Sim, a parceria com ele foi em 97, agora o jantar onde eu conheci ele foi em 96, foi onde que conheci o Jim Capaldi, o Steve e o George Harrison. Tivemos uma jam session, eu toquei, ofereci a guitarra, ele não quis tocar, mas ficou ali no quarto com a gente, disse que iria ser o porteiro do quarto.

Essa foto com o George Harrison tem uma história incrível. Na noite da jam session e do jantar, a mulher do Jim Capaldi é brasileira e fez uma moqueca, eu fiz umas caipirinhas e nessa jantar tinha o Jeff Lynne, Airto, Flora (tínhamos acabado de fazer um show antes de ir pra lá) e aí o George começou a conversar comigo, falou sobre histórias dos Beatles, da India e o George pediu para Gilbert Pool, um amigo dele, tirou essa foto, em 96. Foi uma noitada incrível, George estava com um K7 no bolso, com uma mixagem de Free as A Bird, lançada como clipe no final de 96) e no meio da festa ele pediu pro Jim Capaldi um K7 player, para tocar ele em seu mix final. A jam session já tinha rolado, ficamos conversando, ouvimos a fita e pela foto você o astral como estava.



Tirada no começo de 1996, Neto demorou 23 anos para receber a foto
Eu fiquei com o endereço do Gilbert, que eu queria essa foto e ela demorou 23 anos pra vir pra mim. Essa foto veio dia de 5 de Maio de 2019 e entrou no documentário, pois até então eu só descrevia, mas não tinha registros. Quem abriu a porta foi a Olivia Harrison, que eu não conhecia, Dhani também estava lá e o primeiro que vi foi o George, que me abraçou, disse "bem-vindo" e que era um homem normal e tivemos uma amizade, conversando bastante, era uma noite entre amigos, conversando com músicos.

23 anos depois, veio um messenger do Gilbert com um "olha o que eu achei" e a foto estava na mensagem, pedi autorização para por no documentário e todos deixaram. O emblemático foi que ele pediu a foto, não eu e da pra ver a energia da noite na foto.

Foi nossa noite que eu comecei a visitar o Steve, peguei telefone dele, liguei, falei de se juntar pra fazer um som, ele falou para eu aparecer na casa dele, em uma fazenda na Inglaterra, passei uma semana lá. Ele é um cara bem tranquilo, caseiro e aí começou a colaboração, eu comecei a escrever, ele fez uma canja surpresa com minha banda, em um festival perto de sua casa e numa noite que estávamos tocando no Ronnie Scott ele veio, montou seu Hammond B3 e tocou com a gente, sem anunciar nada, aprendeu umas músicas nossas, a gente aprendeu umas dele e lotou de surpresa. 

Esse clube foi a última canja que o Jimi Hendrix deu, foi pra casa e morreu naquela noite. O porteiro que estava quando o Jimi foi era o mesmo de quando nós fomos e contou sobre o dia pra mim. Esse clube tem história, todo mundo já passou lá, King Crimson, Jeff Beck, Miles Davis, Eric Clapton. Esse lugar É O LUGAR.




Fazendo pesquisa para a entrevista, achei um vídeo do Winwood com o Clapton, tocando Queen of Spades e quem tá fazendo o solo é você. O quão especial foi esse momento? Tipo, o Eric Clapton está do seu lado, mas o solo é seu

Isso foi demais, ele virou e me deu o solo... Ele é muito legal, é um gentleman, nós ensaios, tivemos café da manhã juntos no sábado e fizemos o show Domingo. Conversando, ele disse "olha, eu sei tudo que você toca, eu ouço tudo, eu te conheço", foi muito legal. Esse show foi no Country Rocks, em 2008


Com Winwood, vocês planejam lançar um disco de inéditas ou algo assim? 


Eu comecei oficialmente com ele, com a ideia de formar uma banda, em 2001 e aí fizemos o primeiro disco, considerado um retorno dele, o About Time (2003) e depois saiu uma versão extra com Voodoo Child, que nós regravamos a faixa que ele fez com Jimi Hendrix. Aí viajamos, fizemos tour com Tom Petty. 




Em 2006 entramos em estúdio para o Nine Lives (2008) e o Clapton participou desse, voltando a colaboração entre eles com o Country Rocks que o Clapton entrou na banda e lançamos um CD. Com esse CD viajamos com o Carlos Santana em quase 30 shows, mais uma tour com o Tom Petty, uma com Rod Stewart, uma com Allman Brothers e três com o Steely Dan e aí o Steve fez essas colaborações com o Clapton e fizemos tour esse ano, agora só ano que vem. 


Já são 18 anos com ele, 9 composições lançadas em parceria (3 no About Time e 6 no Nine Lives), é bom que mostra um outro lado dele, pois mostra mais a minha influência, a fusão do Brasil com o rock.




Voltando sobre o seu trabalho, o documentário ele tá com previsão pra sair ano que vem, é isso?

Sim, ano que vem. Acabamos de ser aceitos para rodar num festival na Índia, então está começando a rodar em festivais do meio, está com uma projeção boa.




E tem ideia de ser lançado em DVD?
DVD eu não sei, mas quem sabe conseguir uma distribuição, via Amazon, Netflix... streaming. Então essa é uma possibilidade, mas está no começo. 


O documentário acabou há 6 meses, então tá bem novinho, demorou 5 anos, mas valeu a pena. O editor Richard Michael ficou 1 ano editando, até que "acho que agora chegamos no ponto perfeito", então só fizemos um retoque finais.



Flora Purim, Airto Moreira e José Neto
Foto: Cauê Diniz Pilegi


Ficha Técnica
Tempo de duração 71 minutos
Língua: Inglês
Gênero: Documentário, Música
Produtora: Barbara McVeigh 
Diretor: Richard Michael
Uma Produção McVeigh Media Services
Câmeras: Richard Michael, Barbara McVeigh, Ronaldo Aguiar, Celso Alberti, and Kimberly Blum
Mixagem de Som: J.J. McGeehan

Apoio Cultural: Banco Fator