Resenha do filme "A Primeira Noite de Crime"


A Primeira Noite de Crime – Dir: Gerard McMurray  

Quando o assunto de um filme é violência existe uma grande questão sobre o que a justifica. Ela não pode ser gratuita. Claro que adoramos uma boa sequencia de porradaria e verdadeiras obras primas da sétima arte foram concebidas à partir disso. E sem dúvida o núcleo disso é a forma como um filme aborda a violência. Seja ela mais física e que leva a história adiante, e o melhor exemplo que penso é Operação Invasão (2011), ou seja de uma forma mais filosófica e dramática como o clássico Clube da Luta (1999).


E a franquia de Uma Noite de Crime fez isso de forma única em seus três primeiros filmes. O primeiro sendo um daqueles casos onde ninguém deu muita atenção e de repente o filme se tornou um fenômeno. A premissa é simples e rende debates na internet até hoje. Num futuro não muito distante não existe mais violência. Sem assaltos, assassinatos, estupros, ou qualquer tipo de crime. Porém, uma noite por ano, durante 12 horas, o crime é absolutamente legalizado (por assim dizer). Aqueles que querem paz e sossego ficam em casa protegidos e os loucos que acreditam na violência como fora de expurgo saem com todo tipo de arma para massacrar qualquer um que apareça em seu caminho.


Se o primeiro filme nos introduziu a isso, as duas sequencias mostram que há uma desigualdade entre ricaços que conseguem pagar por uma boa segurança e até moradores de rua que mal sobrevivem. E aí começamos a entender toda o drama social e psicológico que isso gera numa civilização que acredita ser perfeita. Tudo muito bem amarrado e justificado, crível. Sim, o filme tem cenas viscerais banhadas a litros de sangue, mas a franquia soube equilibrar a violência excessiva com o drama que faz sentido para a construção do que o público entende como crível. Aí vem a pergunta de um milhão de dólares: Com uma trilogia de sucesso, vale a pena um filme de origem?


No caso do novo filme da franquia a resposta é sim. Primeiro porque o ponto de partida é novo, mas com os mesmos propósitos. Uma psicóloga behaviorista propõe a noite do expurgo como uma forma de tratamento para curar criminosos, pura e simplesmente. O governo americano está ajudando a financiar o que a princípio eles chamam de uma noite expurgo experimental. Não vou entrar em detalhes, mas a coisa vai se agravando quando o governo toma posse do experimento para promoção política. E isso o roteiro também construiu de forma inteligente. Isso por que o longa é mais uma vez balanceado no drama político e nas sequencias de ação daqueles que tentam sobreviver. E agora a crítica social do filme é mais interessante também. Os personagens que tentam sobreviver pela noite são negros, de comunidades pobres, mas sem estereotipar ou cair num racismo acidental. O que torna todo o drama mais denso.


O que começa como um experimento, vira um jogo político implacável. Não que o longa seja perfeito porque sim, há algumas soluções fáceis e personagens mal aproveitados e até clichês descarados. Mas ainda assim, em sua essência A Primeira Noite de Crime se reciclou brilhantemente. E o inesperado é que muitos detalhes que são comuns dos primeiros filmes são explicados sutilmente ao longo da história. Em todos os filmes da franquia, há diversos maníacos que usam máscara. Nesse aprendemos que isso é algo comum na Noite de Crime porque há pessoas que concordam com o expurgo, mas tem vergonha de admitir então não querem ser identificados. Vale ainda fazer um paralelo entre os personagens políticos de um universo levemente futurista, com a atual situação do nosso país. É a arte imitando a vida.


Por isso que o novo longa de origem é válido. Ele acerta nesses detalhes que deixam a franquia mais rica e com mais sentido, sem necessariamente usar sequencias de violência para isso. E esse foi apenas um exemplo das diversas camadas que A Primeira Noite de Crime explora. No entanto, no início dos créditos há uma ponta óbvia para uma continuação. Esse é o ponto que começa a preocupar a essa altura. Quando franquias querem ou precisam ganhar dinheiro. Mas aí, resta saber se o público está farto de tanta violência ou se querem expurgar ainda mais.

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