Resenha do filme "Mudbound - Lágrimas Sobre o Mississipi"


Resenha – Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississipi – Dir: Dee Rees  -  por Pedro Mauro


Esse é um daqueles filmes difíceis de se falar sobre. Em primeiro lugar porque é uma história de muitas facetas. É impossível assistir Mudbound e se sentir um pouco confuso no começo tentando entender sobre o que ela é, quem são seus personagens principais, e afinal, é um drama racial ou não? O longa aos poucos vai tomando sua forma e vamos entendendo o que é importante para a narrativa. E sim, é um drama racial mas que foge majestosamente dos clichês de uma forma tão bela que é de se admirar que Mudbound só tenha recebido 3 indicações ao Oscar. Feito em parceria com a Netflix, o filme precisou ser exibido no cinema antes da plataforma streaming para que pudesse concorrer a prêmios.

O primeiro longa da diretora Dee Rees é ambientado no sul dos Estados Unidos e se desenrola na convivência de duas famílias. A trama se move com base no relacionamento dessas famílias, não só uma com a outra, mas também entre si. Tudo isso em cenários isolados e com muita lama e solidão. Rees faz questão de nos fazer sentir profundamente isolados como seus personagens. Impossível deixar de observar o quanto a lama está presente durante todo o filme, dando a ideia de que essas personagens estão presas e atoladas ao seu tempo e espaço. A chuva frequente ajuda ainda mais a construir esse clima. A metáfora é sutil, mas bastante evidente, e faz o público se sentir mais pesado ao sair da sala de cinema.

Rob Morgan é Hap Jackson, o marido de Florence (Mary J. Blige), e poderia facilmente ter recebido uma indicação. Ambos estão magníficos no conflito em lidar com as consequências que o racismo impõe em suas vidas. Quanto à família McAllan (os brancos), Carey Mulligan (Laura McAllan) e Jonathan Banks (Pappy McAllan) são os responsáveis por cenas inesquecíveis e atuações dignas de premiações.

Adaptado do romance de Hillary Jordan, o filme mostra um negro e um branco que retornam da Segunda Guerra Mundial para um meio-oeste americano ainda dominado pela violência e segregação. Mudbound explora os efeitos da guerra sobre esses dois homens e a forma como aquela comunidade os recebe de volta de acordo com a cor de cada um. Jamie McAllan (Garrett Hedlund) é tratado como herói, mas por dentro está destruído pelos traumas dos combates. Enquanto Ronsel Jackson (Jason Mitchell) ainda é vítima de racismo, sentindo saudades de quando era recebido como herói de guerra.

Como dito inicialmente, Mudbound é um filme belíssimo com muitas facetas e interpretações. Além de vermos mais de uma história sendo contada, somos agraciados com narrações de todos os personagens em determinados momentos que nos leva a entender melhor seus sentimentos e motivações. Com pouco mais de 2 horas de duração Mudbound consegue executar a difícil tarefa de não se desperdiçar em tela. Tudo é importante e tem seu tempo e relevância para a narrativa.

Mudbound chega a assustar um pouco com alguns momentos de racismo, mas ainda assim, de forma tolerável. Apesar de ser um filme de época é inevitável ver como os diversos temas nele abordado são absolutamente atuais. E essa, eu diria, é uma das funções do cinema. Através da arte nos ajudar a ver coisas que geralmente ignoramos. Apesar de 3 merecidíssimas indicações, é uma pena ver que Dee Rees não está indicada à Melhor Direção e do elenco, apenas Mary J. Blige foi indicada a Melhor Atriz Coadjuvante. O que chega a ser irônico pelo filme se tratar de um drama em parte, racial. Mudbound merecia mais, porque é um filme “mais” e merece ser visto.
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