"Woodstock brasileiro" mostra o quão é difícil investir no som autoral pelo Brasil



Em Junho foi anunciado uma espécie de festival (se é que pode chamar isso de festival) 
que rola dia 26-27-28/8 e reúne covers (isso mesmo que você leu, COVERS) de artistas que fizeram parte do histórico Woodstock, festival que rolou nos EUA em 1969 e teve nomes como Jimi Hendrix, Janis Joplin, Joe Cocker, entre outros, mas além disso rola de nomes de covers nacionais de artistas/bandas como Renato Russo (que atualmente conta com os integrantes originais fazendo uma turnê de 30 anos), Raul Seixas, Charlie Brown Jr., Tim Maia, além de internacionais como Iron Maiden, Coldplay, Guns and Roses, ACDC e Metallica, que originalmente ainda estão na ativa fazendo suas turnês mundiais.


Dentro disso desse tema e uma semana antes do festival, reunimos diversas perguntas que podem ser discutidas e fizemos esse debate com nomes do meio musical, tanto da crítica, quanto produtores ou membros de bandas autorais



O que tu acha sobre um festival de bandas covers, numa cena onde tem tantas bandas boas tocando para públicos vazios?

Millena, redatora do siteacha que  "Woodstock brasileiro" só mostra o quão ainda somos imaturos em relação à nossa própria cultura. Ela diz isso por conta dos shows recentes que foi e vocês podem ler resenhas aqui pelo site, vendo e ouvindo músicas do "underground" que não conseguem chegar ao mainstream de maneira alguma, tanto por medo dos donos da casa em saírem de suas zonas de conforto e acharem que som autoral vai dar prejuízo, quanto pela segurança em contratar com cover de Legião Urbana, ACDC, entre outros, por ser uma garantia de dinheiro e lotação da casa.

Luiz Felipe Cardim, da Hammerhead Blues acha triste ver que o publico valoriza mais o cover e respeita os artistas que optam por prestar tributo, mas acha que se não rolar um incentivo pro rock autoral, a cena aos poucos vai se apagando.
Ele também vê que o publico corre muito mais atras do mais do mesmo, tem preguiça de conhecer o autoral, o que faz com que as casas, visando o lucro, não abra espaço ou abra muito pouco para as bandas de som próprio.

Ian, baterista da Mattilha acha que tem espaço pra todo mundo tocar (cover x autoral): "Existem vários festivais legais de banda independentes rolando aqui no Brasil então um "Woodstook Cover" não seria um problema... Mas eu não iria nem de graça!"

Marcel Costa, idealizador do projeto Base Rock diz que é difícil apontar um único culpado: "O buraco é bem mais embaixo, há uma série de fatores que propiciam isso. A começar pelo público que se tornou retrogrado e acomodado. Lembro que quando eu era crianças o meu maior passatempo era descobrir bandas legais que ninguém conhecia (ou pelo menos que eu achava que ninguém conhecia), e parece que hoje isso se perdeu".


Ele também destaca o ponto da acomodação por parte de diversas bandas: "Há muitas bandas que são extremamente acomodadas, não apoiam as outras bandas e ficam trancados em um quarto esperando um empresário torna-lo rico e famoso. Por mais que tua música seja boa, sem esforço e engajamento você só irá longe se tiver muito dinheiro".

Um dos outros fatores para ele também é a falta de incentivo, principalmente por trás dos grandes veículos da mídia: "Há muita coisa legal acontecendo no underground, muita gente se mexendo fazendo a coisa acontecer. Muita coisa tem mudado nos últimos dois anos. Mas parece que é mais interessante para uma "Veja" da vida falar de um festival de covers ao invés de falar do novo. Não me restrinjo ao rock. Há gente boa em todo canto, eu sei porque eu vejo, ouço, conheço. Essa parece ser uma geração de talentos desperdiçados".



Porque investem tanto em bandas covers e não apostam em novidades da cena? 

O Gustavo Fagundes, da banda  StoneEvil acha que as bandas autorais perderam o foco principal de serem diferentes umas das outras, tanto visualmente quanto em termos musicais e que o mercado não dá mais bola hoje em dia, por esse motivo a preferência é chamar bandas covers, que sempre lotam bares conhecidos por São Paulo, como Aquarius, Kazebre (onde raramente investem em sons autorais, apesar da boa estrutura) e reúnem públicos viciados em ouvir covers, mas que não pagariam o mesmo preço para algo diferente, que saia da zona de conforto.


Ian diz que os donos das casas não se importam muito com o que está rolando. "O importante é a casa encher e lucrar e não é errado, afinal é o ganha pão deles! A mudança começa com as bandas e público fortalecendo a cena de música autoral, apoiando bandas e comparecendo aos eventos, só assim para as portas de mais bares e casas de shows de abrirem.".

O jornalista José Norberto Flesch destaca o fator preguiça. Dos dois lados. Os donos alegam que o público só quer ouvir músicas conhecidas, o que não é mentira, mas não totalmente verdade. O que falta é ter ele, dono da casa, a iniciativa de incentivar de alguma forma o som autoral.
Pelo seu lado, o público quer, sim, ouvir músicas conhecidas. Transporta consigo certa preguiça de ouvir bandas autorais. Mas não dá para generalizar. Há quem aguente uma noite ouvindo covers simplesmente pq não encontra casa com banda autoral.   
Já o Marcelino, da Madrenegra diz que música é entretenimento e como tal é produto de consumo e por mais que os artistas se empenhem em deixar sua mensagem, ter conteúdo e sinceridade com o que faz, para quem contrata e assiste a música é diversão. Então a partir do momento que a realidade é o público não se interessa pela descoberta de bandas novas e um rock, mas está mais interessado em matar a saudade dos clássicos, se torna um ciclo vicioso onde o contratante não procura investir em algo novo, mas sim onde já tem uma garanta.

Quando se trata de um festival desse tipo, é obvio que o contratante tem o objetivo de reunir um público que goste daquele material, lotando o evento independentemente de riscos. O rock no Brasil, hoje faz parte, infelizmente, de uma minoria de público e com a pressão maciça que a mídia e máfia do "jaba" fazem sobre as rádios e as TVs onde grande parte (não todas) as músicas "popularescas' são porcaria, isso porque se ele ocupassem espaço pela qualidade deles, muitos teriam vaga em qualquer situação, porque são grandes artistas, mas como eles precisam ocupar vagas em todos os espaços, sobre um espaço grande para uma música ruim, sem conteúdo, repetitiva, sem boas letras ou um trabalho de pesquisa e esse é o mercado de música hoje. O mercado do rock já é um mercado comprimido, onde as bandas autorais disputam espaço, infelizmente entre nós mesmos e com os clássicos, por exemplo quando um menino de 13, 14 anos que tá começando no rock conhece o Led Zeppelin, ai ouve a discografia e vai para o Pink Floyd, Beatles e só muito depois ele vai lembrar de procurar bandas novas, ai talvez por acidente ele descubra o Madrenegra, Bula e outras grandes bandas que estão surgindo aí. Isso é uma questão de época, de mercado e o rock no Brasil vive na contramão, até por culpa dos artistas de rock, que a partir do momento que ele perde a contestação, a rebeldia, ironia e o rock vira só aquela coisa romântica, de dor de cotovelo, um amor que não deu certo, vira música sertaneja com guitarra. Prefiro o rock que chegue batendo pé na porta, que independente do que fale tenha atitude e esse é um dos fatores também.


Entrando na mesma linha de raciocínio do Marcelino, o Marcel também vai na linha que a casa tem contas pra pagar, e infelizmente o público quer ouvir esse tipo de produto. Ele também diz ser óbvio que é importante que algumas casas deem espaço para artistas autorais e pelo menos no seguimento do rock isto está começando a acontecer. Mas os últimos anos foram negros.

Quando começou isso de bandas covers? Claro que no começo não existia isso de bandas covers, trajadas no estilo e etc, no máximo versões das músicas num estilo diferente ou traduzida (como a MPB fez diversas vezes com os Beatles) e é nisso que apoio: tocar alguns covers, num estilo diferente e dentro do som autoral ou numa data especial, como a Vanguart fez tocando Beatles ano passado.
As bandas colocaram cover nas casas, porque dificilmente era encontrado o material próprio das bandas, então eles tocavam cover de Iron Maiden e os donos das casa ficavam impressionados, com isso o público para um som autoral e tornaram real a ideia de que as bandas deveriam imitar o que vem e, claro que com isso, fazendo parecido ou idêntico, traz para a casa aquele público que curte o som de uma certa e paga para ver o cover dela (mesmo que ela ainda exista e talvez venha para o país) e se vícia em ir ver cover todo fim de semana num Aquarius, Kazebre e etc mas não fortalece a cena para ajudar o amigo que investe no som autoral.

Marcel diz que sempre sempre rolou, porque no começo a gente quer tocar as músicas dos nossos ídolos e tal. E nos anos 80, 90 e começo dos 2000, era MUITO raro termos shows internacionais aqui, então era a maneira que as pessoas tinham de ir lá e conhecer seus ídolos e tal. O problema é que em algum momento as pessoas perderam o interesse pelo novo, criou-se essa péssima ideia de que só o que era antigo era bom. Eu amo Guns N' Roses, é a banda da minha vida, mas não vou ouvir só isso pra sempre. Descobri há pouco mais de 3 anos o Sixx AM e hoje é a segunda banda que mais gosto. Sem contar dos talentos nacionais que não devem nada pra esses caras: Trezzy, Sioux 66, Mattilha, Burlesca, Cracker Blues, Desert Dance, Blame, QR-1, Kiara Rocks, a lista é imensa!


Qual sua visão sobre a cena atual que não teve nenhum rock entre as 100 músicas mais ouvidas do ano passado?
Luiz Felipe também vê a cena do rock atual ainda como um embrião, te muita banda boa rolando, mas o publico que acompanha e a mobilização em torno pra fazer o negócio rolar, salvo raras exceções, ainda deixam muito a desejar.

Flesch diz que a grande maioria das bandas de rock novas não faz uma música com forte penetração. Mesmo que façam, encontram resistência no mercado. Vale de novo a questão da preguiça. A esperança é que alguém bata na porta da resistência até derrubá-la, mas que o faça com uma música que valha a pena ser ouvida.

Ian acha que essas listas não são um bom parâmetro, as rádios não tocam Rock (com algumas exceções, claro). E outra, comparar o Rock com Sertanejo e Funk por aqui também não faz muito sentido... Nosso público é bem menor e o primeiro passo para isso parte de cada um que consome rock: Abrir a cabeça para novos artistas  e tirar a bunda do sofá. 
Marcel Costa vai na linha de raciocínio certa do buraco ser mais embaixo do que um simples ranking: "Cara, eu acho que neste caso o buraco é mais embaixo. Exceto pelos anos 80, o ápice do rock nacional, no demais o rock estava ali, mas não era o centro das atenções. O que eu quero dizer que o rock nem sempre foi mainstream por aqui, sempre concorreu com Sertanejo, Pagode, Samba, etc..."

Ele também destaca: "Mas o que me incomoda mesmo é esse emburrecimento coletivo, essa onda de empobrecimento musical. O problema não é o rock não estar nos 100+ da rádio e sim o fato de estes lugares estarem ocupados por músicas de péssimo gosto. Na real nosso problema é cultural, no Brasil há um pífio investimento em Educação e Cultura, aliada a ideia de que Cultura não é importante. O Brasil está na contramão e a mil por hora, se tornando uma nação cada vez mais ignorante".
O que acha que pode ser feito para melhorar isso de cover e autoral?
Luiz Felipe Cardim acha que para a cena melhorar, o publico tem que crescer e apoiar as bandas de som próprio. Se houver mais procura, os artistas terão um espaço maior para expor o som.

Marcelino acha que deve haver uma conscientização maior de quem produz o evento, como trazer cover de Led Zeppelin, Pink Floyd e Beatles numa mesma noite, lotando a casa e no meio disso trazer uma banda autoral de qualidade, para ter espaço e fazer com quem conhece os clássicos conheça também coisas novas. A separação que é a burrice da parada, já que o rock no Brasil é minoria e isso é uma fogueiras das vaidades, pois cada vez que uma banda encerra as atividades é um soldado a menos para lutar com a gente, a maior que alguém pode fazer no meio é achar bom quando toma o espaço de um amigo ou uma banda encerra as atividades.
Tem banda grande, estabelecida que faz parte de um mercado de poucos nomes e não gosta de permitir que outras bandas abram seus shows e isso é uma bobagem, pois quanto mais bandas surgirem para o rock, melhor. Tem que ter eventos de cover + autoral, pois aí todos saem ganhando, multiplicam seu som e fazem rock 'n roll.
Marcel Costa também está na linha de covers também poderem ter seu espaço, mas destaca que devemos lutar pelo nosso espaço: Há tantos artistas talentosos por aqui, talvez o próximo Angus Young, o próximo Slash, o próximo Steve Tyler seja brasileiro, mas ele não teve apoio nem incentivo.
É preciso apoio e incentivo, por parte do governo, por parte da mídia especializada, por parte do público e por parte dos músicos. É uma máquina, e algumas engrenagens estão quebradas. Há talento, há pessoas interessadas em fazer acontecer e com um empurrãozinho a gente pode ter uma cena forte, profissional e coesa.

Já a Millena diz que isso também é culpa da própria mídia que nos ensinou a não valorizar o que o país produz e que somos uma população que prefere o que vem de fora: "Pagamos 900 reais para ver um artista estrangeiro mas não acha justo pagar 20 reais pra ver a banda do amigo tocar num pub. Não somos estimulados a apoiar a cena local - de qualquer forma, seja comprando ingressos, produtos relacionados - porque não achamos que vale a pena. Porque não é de fora".


Ela também diz que ao invés de contratar 20 bandas covers para participar da reformulação de um evento histórico como o Woodstock foi, porque não dar espaço para 20 bandas autorais que podem até serem melhores? Porque não entrar pra história por isso?

E finalizando deixando claro que não desmerece o trabalho dos covers, mas há de se entender que precisa haver uma valorização para os autorais.

COMENTEM, QUAL A OPINIÃO DE VOCÊS SOBRE ESSE TEMA?!?!

Postar um comentário

0 Comentários
* Please Don't Spam Here. All the Comments are Reviewed by Admin.