Beatlemania: O olho do furacão


Matéria postada originalmente em 2012

Em 1963, tudo ia bem para os Beatles. O álbum Please Please Me foi lançado no dia 22 de março e chegou ao topo das paradas britânicas no dia 11 de maio, ali permanecendo por inacreditáveis trinta semanas. "From Me To You" e "She Loves You" coroaram as paradas de sucesso durante semanas, cada um a seu tempo, e quando o novo álbum do grupo, With the Beatles, foi lançado em novembro, subiu em linha reta direto ao topo, deslocando Please Please Me e ficando em primeiro lugar durante 21 semanas.

Então começou a mania. Mesmo hoje é difícil descrevê-la, que dirá analisar as causas estruturais e as implicações sociais. O que permanece clara é a rapidez do fenômeno, e a sua intensidade. As garotas que afluíam em bandos para ver os Beatles no palco começaram a ficar frenéticas. Se antes dançavam com a música e vibravam com as can¬ções, agora pulavam, gritavam e enlouqueciam. A visão dos quatro rapazes, com seus ternos e cortes de cabelo tão diferentes e, ao mesmo tempo, tão iguais, causava surtos de histeria tão intensos — bastava ouvir o choro desesperado e ver como seus extremos ficavam rígidos — que parecia que uma corrente elétrica havia sido injetada no sistema nervoso delas. Para algumas garotas, a presença dos Beatles era tão poderosa que elas se molhavam imediatamente. Outras tinham orgasmos. Seja como for, conforme observou um galhofeiro, os Beatles raramente deixavam algum assento seco nas casas de espetáculo.

Os jornais chamavam aquilo de Beatlemania e, pela primeira vez, os tablóides pareciam estar certos. De que outro modo era possível descrever centenas de garotas emboscadas na porta de um teatro, du¬rante horas, todas aguardando para dar uma espiada momentânea nos seus heróis em movimento? Que outro termo poderia descrever mil adolescentes debandando atrás de uma única, veloz, limusine? Se pa¬recia absurdo do lado de fora, os quatro jovens de Liverpool no centro disso ficavam embasbacados de espanto. Não fazia apenas um ano que eles tocavam as canções de Chuck Berry para os amigos, no Cavern? Havia quantas semanas eles tinham obtido aquele precioso contrato de gravação, por tanto tempo negado?


O momento em que de fato compreenderam — aquilo estava mesmo acontecendo! — veio no dia 18 de abril, quando os Beatles se apresentaram no Royal Albert Hall, em Londres. Na realidade, o espe-aculo era dividido em duas partes, e incluía uma transmissão ao vivo pela Rádio BBC e números de Del Shannon e muitos outros artistas menores. Mas a multidão de fãs uivantes estava mesmo era gritando Pe os Beatles. Quando os quatro jovens de Liverpool finalmente surgiam diante das luzes, os gritos os atingiram com a força e o volume de um furacão. "Aquele foi o verdadeiro nascimento da Beatlemania afirmou Chris Hutchins, que trabalhava na época como editor musical da revista Disc.


O grupo foi arrebatado durante o show, mas ficou um pouco mais escandalizado quando as multidões que esperavam nas calçadas do lado de fora — todas entoando seus nomes e instigando umas às outras com mais urros, gritos e outras ovações — impediram sua passagem para sair do prédio. Eles permaneceram no camarim por algum tempo, conversando com Hutchins, que tinham conhecido alguns meses antes, quando acompanhava Little Richard em Hamburgo, junto coo umas garotas que faziam parte do espetáculo. Mais cedo, John, Paul, George e Ringo tinham pensado em terminar a noite no clube Ad Lib, lugar muito frequentado por celebridades, que tinha se tornado a parada noturna mais badalada dos últimos tempos. Contudo, na medida em que as multidões de garotas continuavam a berrar, eles concluíram que era melhor não serem vistos. Hutchins convidou o grupo todo para o seu apartamento em King's Road, Chelsea, e para lá eles foram, com duas garotas a reboque.
O apartamento de Hutchins — na realidade, ele era pensionista e ocupava uma quitinete, mas os proprietários estavam fora da cidade — não tinha muitos suprimentos de festa. Hutchins abriu as duas garrafas de vinho rosé que havia na cozinha, enquanto John procurava pílulas no armário de remédios da casa. Infelizmente, Hutchins não tinha muito a oferecer, e a festa correu com vinho morno e as pessoas conversando sentadas no chão da sala frontal. John. porém, que estava contando com suas doses industriais de pílulas e bebidas, ficou irritado, e depois intratável. Uma das garotas chamou a sua atenção e as coisas descambaram em seguida.

Todos tinham ouvido falar de Jane Asher. Ela era atriz de TV, pequenina, de cabelos vermelhos e pele de porcelana, com apenas dezessete anos e as maneiras meticulosas dos pais de classe média com educação superior, com os quais ainda vivia. Ela trabalhava como atriz desde os seis anos de idade e sua presença era constante no programa de TV juke Box Jury, no qual os Beatles a tinham visto. Ela tinha passado a noite como uma espécie de repórter jovem em cena entrevistando a banda para a revista Radio Times. Pode ter sido por sua confiança indiferente ou por seu sotaque elegante, o fato é que alguma coisa em Jane fez com que John voltasse seus olhos cáusticos para sua direção.
"Bem. Vamos brincar de perguntas e respostas!", ele anunciou um pouco alegre demais. Em seguida, virou-se para Jane. "Então, nos diga, benzinho, como as garotas brincam consigo mesmas?" Silêncio. Jane abriu bem os olhos. Paul, sentado ao lado dela no chão, levantou as mãos como se pudesse devolver as palavras de John de volta à boca. "John! John!", ele deu um ganido. "Pare com isso. Você não pode fazer isso." John se limitou a sorrir, olhando atentamente através dos óculos. "Não, você pode nos contar. Vamos lá. Todos nós queremos saber, vamos lá." Paul, com ar agastado, balançou a cabeça com veemência. "John. Pelo amor de Deus, John." Nessa hora, Jane já estava de pé, resmungando secamente que tinha ficado muito tarde, e estava na hora de ir embora. Paul ficou de pé, também, cravando os olhos em John enquanto ajudava Jane a pôr o casaco, dizendo que iria conduzi-la até o táxi. Os dois saíram rapidamente, e a porta se fechou atrás deles. Já era tarde, então, passava de meia-noite, e o ar noturno de Londres estava pesado com a neblina.

A culta e autocontrolada Jane deve ter intimidado John Lennon, mas ela era tudo que Paul estava procurando. Quando Hutchins olhou pela janela, viu o beatle segurando o braço da atriz e caminhando para dentro da névoa. "E ele não voltou mais", afirma Hutchins. "Vi os dois desaparecerem ao descer a King's Road.

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